quarta-feira, 1 de junho de 2011

Rafale em combate: “War for Dummies”

Dois Rafales da Força Aérea Francesa, um monoposto e um biposto, reabastecem no seu caminho para a Líbia. Ambos carregam bombas guiadas AASM, mísseis ar-ar MICA, e tanques alijáveis, enquanto o monoposto também carrega um pod designador Dâmocles na estação da fuselagem. (Foto: Força Aérea Francesa)
Aviões de combate Rafale da Força Aérea Francesa desdobradas na Córsega, como parte da No-Fly-Zone sancionada pela ONU para a Líbia, estão fazendo, pela primeira vez, pleno uso das capacidades “omnirole” da aeronave, que permitem utilizar uma aeronave única para a realização toda a gama de missões durante uma única surtida.


Pilotos dos oito Rafales baseados aqui na base aérea de Solenzara, na Córsega, provisoriamente chamado de “Rafaletown”, rotineiramente decolam com quatro mísseis MICA ar-ar, três ou seis bombas guiadas de precisão AASM “Hammer”, um pod designador laser Thales Dâmocles ou um pod de reconhecimento Reco NG e dois tanques subalares. Eles podem ser direcionados ou redirecionados durante o vôo, e o são rotineiramente, para fazer patrulha de aérea de combate, ataque de precisão ou missões de reconhecimento durante a mesma surtida de seis ou sete horas.
Caças franceses Dassault Rafale partindo da Base Aérea de Saint Dizier. (Foto: Armée de L'Air)

A AASM, ou “Armement Air-Sol Modulaire”, designada pela OTAN como SBU-38, é uma bomba guiada de precisão desenvolvida pela Sagem, e existe em duas versões: com inercial/GPS ou inercial/GPS/orientação por imagem infravermelha. Uma versão guiada a laser está sendo desenvolvida.

“O Rafale está operando na Líbia desde o primeiro dia, e nós voamos várias missões durante uma única surtida”, diz o comandante do Destacamento, o Tenente-Coronel Pierre G., enfatizando que o “Rafale Omnirole” não é simplesmente um slogan publicitário, mas uma descrição precisa da capacidade real da aeronave. “Sobre a Líbia, o Rafale voa todos os tipos de missões, executando missões de ataque e reconhecimento com o pod Reco NG, enquanto realiza sua missão principal, que é a de patrulha aérea de combate”. Pierre G. e outros pilotos do Rafale falaram aos jornalistas durante uma visita de dois dias, organizada pela agência francesa de aquisição de defesa – DGA, e pelas empresas envolvidas no programa Rafale. Por causa da segurança operacional, os pilotos são chamados apenas pelo primeiro nome, ou não são nem identificados.
Equipe de apoio no solo prepara caça Rafale para mais uma missão sobre a Líbia. (Foto: Armée de L'Air)

Os pilotos dizem que as redes de sensores e sistemas do Rafale tornam seu trabalho mais fácil e muito mais efetivo do que seria possível com os caças da geração anterior. “Dois Rafales carregam tanto armamento quanto a combinação de dois Mirage 2000-5 e quatro Mirage 2000D”, diz Pierre G., acrescentando que “as capacidades de seus sensores são ainda muito maiores do que isso.”

Os Rafales trabalham verdadeiramente em um ambiente em rede, e são alimentados com informações sobre alvos e outros dados táticos a partir de uma ampla gama de informações fornecidas pela Coalizão, através do enlace de dados Link 16. Os dados que chegam são combinados com as informações coletadas por meio dos sensores próprios da aeronave – suite de autoproteção Thales SPECTRA, imagens eletro-ópticas do OSF, radar RBE-2 e ainda da versão infravermelho dos mísseis ar-ar MBDA MICA, que, como varrem continuamente, podem fornecer imagens de IR para o sistema central de processamento de dados. “O MICA não é apenas um míssil, é também um sensor extra”, diz Pierre G., “e seu alcance de detecção é muito maior do que geralmente se supõe”.
Caças Dassault Rafale M operando a bordo do porta-aviões Charles de Gaulle. (Foto: Marinha Francesa)

Dados de todos os equipamentos de bordo e sensores externos são combinados em uma única imagem tática apresentada ao piloto no display colorido central do cockpit ou, se desejado, em uma das telas laterais. O piloto pode selecionar os dados que ele queira, combiná-los com outros dados, e passá-lo para seu ala ou a outras aeronaves aliadas, navios ou forças no solo, através do Link 16, sem falar uma única palavra pelo rádio e, se não estiver usando o radar, sem qualquer outro tipo de transmissão. O Link 16 também pode ser usado para evitar possíveis conflitos com as missões de outras aeronaves, sem usar os rádios.

Para ilustrar as capacidades de o Rafale operar em rede, um piloto descreveu como a aeronave pode receber as coordenadas do alvo a partir de um AWACS ou de outra aeronave via Link 16. Para aceitar a tarefa atribuída, o piloto aperta um botão, e as coordenadas são automaticamente programadas para as bombas guiadas AASM, sem nenhuma outra ação por parte do piloto que, uma vez dentro do alcance previsto (até 30 milhas náuticas), mais uma vez aperta um único botão para lançar todas as três – ou as seis – AASM para os seus objetivos individuais. “Podemos lançar as AASM contra alvos no través ou atrás de nós, e atingir até seis objetivos em um único ataque”, continuou o piloto.
Caças Rafale sendo armados na Base Aérea em Solenzara. (Foto: Armée de L'Air)

Em Solenzara, os repórteres assistiram a imagens de vídeo feitas durante uma missão de ataque ao solo na Líbia, em que três tanques, que estariam disparando contra alvos civis, foram destruídos pelas AASM em ataques diretos simultâneos.
Para evitar sobrecarrega ao piloto, o computador central da aeronave prioriza alvos de acordo com a ameaça que eles representam, e há também os modos para eliminar informações indesejadas do radar (“declutter”). O piloto pode então decidir concentrar-se em um determinado aspecto da missão, e voltar posteriormente para os outros aspectos.

Nessa mesma linha, o sistema analisa e combina as informações táticas recebidas de todos os sensores. Por exemplo, “se você receber, ao mesmo tempo, pista de um alvo fornecida por um AWACS, a partir de sua suíte de autoproteção SPECTRA, ou de seu ala, o sistema irá analisar todas as informações recebidas e mostrar-lhe apenas um alvo”.
Outro piloto disse simplesmente que “a interface homem-máquina do Rafale é tão boa que é como “Guerra para Leigos” – (‘War for Dummies’).
Um caça Rafale parte para uma missão de reconhecimento sobre a Líbia. (Foto: Armée de L'Air)

Os pilotos do Rafale também são muito alinhados ao comentar a suite de autoproteção Spectra, que é de fundamental importância, uma vez que a França não dispõe de nenhuma aeronave voltada para a missão de supressão de defesas aéreas inimigas (SEAD). “O SPECTRA nos permitiu iniciar as operações sobre a Líbia no mesmo dia em que a decisão política foi tomada, e voar profundamente no interior do território líbio sem escolta”, diz um piloto, acrescentando que “os americanos também voaram, mas só depois de terem lançado 119 mísseis Tomahawk para tornar ineficazes as defesas aéreas da Líbia”.

As capacidades do Rafale estão mudando a maneira como a Força Aérea Francesa opera. Anteriormente, distintas “comunidades” de pilotos foram criadas em torno de cada uma das principais missões voadas – defesa aérea, ataque ao solo, interdição, etc. – e viveram mais ou menos independentes umas das outras.

Com o Rafale, porém, esse fenômeno está desaparecendo, visto que qualquer Unidade, qualquer aeronave e qualquer piloto voam missões de defesa aérea, interdição ou de ataque ao solo, quando estas são necessárias. A especialização irá desaparecer, disseram vários oficiais, para ser substituída por aeronaves e pilotos em menor número, mas muito mais flexíveis.

“A idéia de que uma única aeronave pode ser redirecionada, em vôo, de reconhecimento para interdição e para interceptação, durante a mesma surtida, é verdadeiramente revolucionária, e nós estamos apenas começando a entender no que isso implica”, diz um oficial.

Esta flexibilidade se traduz também em uma grande vantagem para a gestão operacional, porque qualquer Rafale disponível pode ser designado para qualquer missão, sem que haja a necessidade de que, como no passado, uma dada combinação de armas e aeronaves esteja disponível.

Missões são voadas a partir de Solenzara em duas ondas a cada dia, uma durante o dia e outra à noite; e os Rafales disparam bombas AASM guiadas por GPS ou GBU-12 guiadas a laser em quase todas as missões.

Um Rafale também disparou dois mísseis de cruzeiro Scalp, mas até agora o destacamento não disparou o canhão de 30mm, uma vez que a altitude mínima definida pelo Estado-Maior é muito grande para usar canhões com bons resultados. A navegação até a Líbia é feita com 50% de potência, que permite uma velocidade de cruzeiro de Mach 0.9, mesmo com seis bombas AASM e dois grandes tanques subalares.

O Destacamento estabelecido em Solenzara compreende oito Rafales – um mix de monopostos e bipostos – e três aviões Mirage F-1CR dedicados ao reconhecimento, com total de 20 tripulantes e apoiada por cerca de 100 homens no solo, 70% deles para o Rafale, além de 30 pessoas para operar o destacamento de inteligência. Desde que a Operação Harmattan (designação francesa para a imposição do No-Fly-Zone na Líbia) começou em 19 de março, o Destacamento voou 2.200 horas de vôo, com mais de 1.500 reabastecimentos em vôo, inicialmente a partir de sua base principal de operação, em Saint-Dizier, no nordeste da França e, posteriormente, a partir Solenzara.
Operação noturna de caças Rafale a bordo do Charles de Gaulle.

A preparação das aeronaves (“turn-around”), mesmo com armamento real instalado, requer apenas 90 minutos; e a substituição de um motor requer uma hora, embora nenhuma tenha sido necessária durante as operações em curso.

Por causa do tempo gasto para voar a partir Solenzara para a Líbia, a França está negociando a transferência de seu Destacamento de Rafale para Base Aérea de Sigonella, na Sicília, que é muito mais próxima da área de combate. Pela mesma razão, Mirages da Força Aérea Francesa já foram realocados em Creta.
Um caça Rafale passa por manutenção a bordo do porta-aviões Charles de Gaulle. (Foto: Marinha da França)

Os requisitos de manutenção do Rafale são cerca de 25% inferiores aos do Mirage 2000, e não há manutenção programada ou preventiva; a manutenção depende apenas do tipo de missão voada, e da condição dos componentes. Pilotos em Solenzara dizem que, em pouco mais de dois meses de operações, não houve missão abortada devido à indisponibilidade de aeronaves, e o Comandante do Destacamento, o Tenente-Coronel Pierre G., diz que o índice de disponibilidade é de quase 100%.

Os pilotos entrevistados para esta reportagem claramente adoram suas aeronaves. Além dos eletrônicos, eles elogiam o conforto de seu assento e sua posição semi-reclinada, a eficácia do ar condicionado do cockpit (“eu nunca vi qualquer condensação”, diz um piloto) e a facilidade de adaptação ao joystick lateral, que, no Rafale, substitui o manche convencional central. Estes não são necessariamente os principais aspectos, observa um piloto, “mas depois de alguns dias de combate de alta intensidade, um piloto Rafale estará em muito melhor forma do que outro que voe aeronave diferente”.

Fonte: defense-aerospace.com / Giovanni de Briganti – Tradução: Justin Case

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